A idéia de que o câncer é uma doença ambiental e prevenível é atrativa e entusiástica pois um dos grandes receios de qualquer pessoa é viver livre desta grave enfermidade.

Algumas publicações atribuem apenas 5% dos tumores a fatores genéticos, atribuindo 95% a fatores ambientais que incluem estilo de vida (tabagismo, etilismo, atividades físicas), estímulos externos (radiação, poluição, infecções, etc) e dieta. Tais afirmações ganham força à medida que migrantes mudam seus hábitos em suas novas moradias e mudam também com isso seus potenciais riscos de desenvolvimento de câncer de diversos tipos.

Existem diversas citações tentando relacionar alguns tipos de dieta à ocorrência de câncer. Alguns autores chegam a cifras surpreendentemente elevadas indicando que 35% dos cânceres são causados diretamente pela dieta.

Tais afirmações, apesar de carregarem conceitos bem embasados cientificamente, não carecem de comprovações, principalmente aquelas baseadas em estudos clínicos epidemiológicos.

Do ponto de vista epidemiológico, dieta e nutrientes não são ingeridos individualmente e nem isoladamente, havendo interação entre eles. O que pode ser feito para investigação, é separar as dietas segundo padrões:

Dieta saudável: grande quantidade de frutas, vegetais, aves, peixes, grãos e baixa ingesta de gorduras;

Dieta não saudável: altas quantidades de carne vermelha ou processada, Açúcar refinado, batatas, doces e gorduras.

Padrão alcoólico: altas quantidades de vinho, cerveja ou liquores.

Alguns estudos têm demonstrado redução média de 11% no risco de câncer de mama em mulheres que adéquam sua dieta ao padrão saudável. Por outro lado, mulheres que assumem um padrão alcoólico, aumentam o risco de câncer de mama em 21%.

Efeitos do Açúcar

Durante o processo de refinamento do açúcar, os carboidratos tornam-se mais concentrados, ocorre redução de macronutrientes (proteínas e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e minerais).

Recentes conclusões de meta-análises mostram uma clara associação entre ingesta de açúcar refinado, índice glicêmico, hiperinsulinemia e aumento do risco de câncer de mama, quando comparados com dietas com baixo índice glicêmico.

Não se conseguiu estabelecer relação com outros tipos de câncer.

Apesar disso, existem evidências do efeito anti-tumoral das dietas cetogênicas cuja aplicação parece ter um futuro promissor na oncologia.

Obesidade

Obesidade é definida como IMC (índice de massa corpórea = peso / altura²) maior que 30 kg / m² e sobre-peso IMC entre 25 e 29 kg / m².

Tanto obesidade como sobrepeso tem sido associados com aumento da mortalidade em vários tipos de câncer como colorretal, mama (após menopausa), esôfago (adenocarcinoma), próstata, endométrio, fígado e pancreas.

Os estudos epidemiológicos mostram discrepâncias nos dados em relação a interferencia da dieta, não confirmando associação de dietas gordurosas com aumento do risco de tumores. Da mesma forma, não comprovou-se efeito benéfico após adoção de dietas saudáveis (ricas em frutas e vegetais e pobre em gorduras) na redução do risco de cancer colorretal em portadores de pólipos adenomatosos e portanto em populações já com fator de risco presente.

Obesidade induz condições inflamatórias e inibitórias da apoptose cellular, ambas favoráveis ao desenvolvimento do cancer.

Outra hipótese é seu efeito sobre hormônios, como por exemplo a hiperinsulinemia (causada pela resistência a insulina) que está relacionada ao aumento no cancer colorretal e de endométrio. Outro hormônio elevado nos obesos é o estrogênio, sintetizado nas células gordurosas do homem e da mulher após menopausa, que convertem androgenio para estrogenio e estrogenio para estradiol pela ação da aromatase e pelo sistema enzimático 17-beta-hidroxiesteróide desidrogenase. O aumento do estradiol na mulher ativa proliferação celular e dobra o risco de cancer de mama, além de piorar o resultado do tratamento quando a doença já está estabelecida.

Atividades físicas regulares reduzem a resistência a insulina e o hiperinsulinemismo, reduzindo em 25% o risco de cancer de mama e 11% o risco de cancer de colon.

Recomendações atuais sugerem 150 minutos por semana de atividade moderada ou 75 minutos de atividade intense aeróbica. Caminhadas de 1 hora por dia estão associadas a redução de 14% do risco de câncer na mulher após menopausa.

Além disso, as atividades físicas reduzem em 30% a mortalidade e em 40% a recorrência de cancer de mama em mulheres após menopausa tratadas desta doença nos estadios I a III.

Omega 3

Omega 6 é convertido em prostaglandina E2 , uma citoquina inflamatória que facilita a proliferação celular e a angiogêse, enquanto Omega 3 é convertida em Prostaglantina E3 , sem propriedades mitogênicas. Por isso, alguns estudos mostram influência da proporção Omega 3/6 sobre melanoma e cancer colorretal.

Entretanto, os dados disponíveis atualmente são controversos e não conclusivos sobre a redução do risco de cancer de mama, pulmão, colorretal, bexiga e próstata com uso de Omega 3 ou favorecendo a proporção Omega 3 / 6 .

Consumo de Carne

Nas últimas 3 décadas, diversos estudos mostram aumento do consumo de carne vermelha pela população, o que tem sido associado ao aumento da incidência de cancer colorretal, bexiga, rim e endométrio.

Para análise do efeito da carne, algumas variáveis devem ser consideradas como forma de ingesta da carne (defumada, cozida, bem passada, salgada, crua, etc) e os padrões de dieta associados (ingesta de álcool, gorduras, vegetais, etc).

Realmente existem vários mecanismos de ação envolvidos que favorecem:

Gordura associada a carne: aumenta resistência a insulina e produção de ác biliares secundários, facilitando carcinogênese;

Carne bem passada: aumenta formação de aminas aromaticas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromaticos policíclicos, ambos carcinogênicos. O processo de aquecimento leva também a produção de substâncias oxidantes como compostos nitrosos, impulsionados também pela riqueza de ferro, que estimulam a proliferação celular na mucosa intestinal.

Estas substâncias, liberadas principalmente na ingesta de carne bem passada, têm sido implicadas nos processos carcinogênicos da mama, colorretal, próstata, pulmão, fígado, rim, estômago, pancreas e bexiga.

Estudos recentes mostram a ingesta de 100 g diárias de carne vermelha ou 50g por dia de carne processada aumentam o risco de cancer colorretal em cerca de 15 a 20%. Avaliações epidemiológicas mostram aumento de 35% comparando-se populações que ingerem 160 g / dia comparadas às que ingerem menos que 20 g / dia. Carnes processadas aumentam em 49% o risco de cancer colorretal com ingesta de 25 g / dia.

Ingestas de carne mais vezes que 1 x / dia aumenta o risco de cancer de colon em 37% e de cancer de reto em 43%.

Estudos específicos de cancer de pancreas em mulheres fumantes mostram aumento de 38% na incidência com ingesta de 1 grama por dia de ferro.

Frutas e Vegetais

A composição dos vegetais rica em produtos como polifenóis, flavonóides, isoflavonas, licopenes, resveratrol, selenium, beta carotenóides, vitaminas E,D,C,A,B12, B6 e ácido fólico, exerce fatores protetores bem documentados, reduzindo a incidência de doenças crônicas, cardiovasculares e cancer.

Entre diversos estudos sobre polifenólicos, encontramos resveratrol (em uva vervelha) qua tem atividade contra cancer de pulmão, mama, próstata, hepatocarcinoma, melanomas ou glioblastomas, ácido gálico contra cancer gástrico e gliomas, ácido clorogênico contra hepatocarcinoma e sarcomas, ácido cafeico contra hepatocarcinomas, cancer de próstata e pulmão. Flavonóides (de frutas vermelhas) tem efeitos contrat cancer gástrico e flavonóides pomegranados reduzem cancer de mama, próstat, colon, pele e pulmão.

Polifenois encontrados no chá verde demosntraram ações preventivas contra doenças malignas mas estudos epidemiológicos não confirmaram efeitos contra cancer de próstata, hepatocarcinoma e cancer colorretal.

Vitaminas E, C, D e Selenio encontrados nas frutas e vegetais apresentam propriedades anti-oxidantes que potencialmente combatem a carcinogênese. Entretanto, os estudos são inconclusivos quanto aos benefícios das vitaminas E, C e Selenio no Hepatocarcinoma e cancer de próstata, vitamina D e ácido fólico no cancer de pancreas e vitamina B no cancer de próstata.

Isoflavonas, caracterizadas por atividade anti-estrogênica e ações no metabolismo intracellular dos esteróides inibindo a conversão de androgenios em estrogênios, tambám apresentam atividades anti-proliferativas, anti-angiogênicas e pró-apoptose de células tumorais. Seus efeitos anti-tumorais foram demonstrados em mulheres asiáticas com redução do cancer de mama em até 29% quando comparados grupos com ingesta de 20 g / dia versus 5 gramas por dia. Entretanto, meta-análises de estudos realizados em mulheres ocidentais não confirmaram essa associação.

Fibras, de vegetais e grãos, parecem exercer efeito protetor principalmente no cancer de colon e no cancer de mama. A recomendação para sua ingesta diária é de 21 a 38 gramas mas ingesta a partir de 10 gramas já parecem reduzir o risco de cancer.O efeito das fibras na motilidade intestinal pode reduzir a exposição da mucosa intestinal às substâncias carcinogênicas, o que explicaria seus benefícios. Novamente, estudos epidemiológicos não são conclusivos em relação a esta possível associação.

Conclusões

As evidências disponíveis parecem associar o cancer ao tipo de dieta e estilo de vida. Estima-se que até 35% dos fatores de risco estejam associados a dieta e podem então serem modificados. Desta forma, a prevenção do cancer passaria por alterações na dieta e estilo de vida, envolvendo: mínimo consumo de carne, aumento do consumo de grãos, frutas e vegetais, redução da ingesta de gorduras e prática de atividades físicas pelo menos 30 minutos por dia.

Já existem evidências fortes sobre o efeito das atividades físicas na redução da incidência de cancer, assim como na recorrência em pacientes portadores de cancer de mama.

A obesidade é fator pré-disponente de cancer por diversos mecanismos.

O consumo de 20 gramas de fibras por dia parece reduzir a incidência de cancer, doenças cardiovasculares e diabetes.

Estudos prospectivos têm demonstrado que padrões de dieta ricas em frutas, vegetais e grãos, com baixa ingesta de carne vermelha, carne processada e sal reduzem o risco de morte por cancer.

Há evidências não conclusivas que frutas e vegetais reduzem a incidência de cancer dos tratos respiratório e digestivo, fibras protegem contra cancer de colon e carne vermelha e processada aumenta a incidência de cancer de colon.

Bebidas doces estão sendo relacionadas a maior incidência de cancer de pancreas.

Guidelines europeus sugerem que a redução do risco de cancer pode ser obtida com aumento da ingesta de grãos, vegetais e frutas além da limitação de alimentos calóricos (ricos em açúcar ou gorduras), evitando-se bebidas doces e carne processada e reduzindo-se carne vermelha e alimentos ricos em sal.

Soma-se às mudanças de habito alimentar, atividades físicas aeróbicas diárias por pelo menos 30 minutos por dia.

Diet and Cancer: Risk Factors and Epidemiological Evidence

Ruiz RB and Hernandez PS, 2013

Toward a cancer-specific diet

Bozzetti and Zupec-Kania, 2016

European Code against Cancer 4th Edition: Diet and cancer

Norat et all, 2015