Gravidez após Transplante de Fígado (TF)
Mussarat e cols
Liver Transplantation 2020 – in press

Fertilidade antes do Transplante de Fígado.
30 a 50% das mulheres com doenças crônicas do fígado apresentam amenorréia.
Esse índice aumenta quando a cirrose está estabelecida.
Nas doenças colestáticas, a menorragia é mais frequente.
Etiologia da hepatopatia, estado nutricional e disfunção metabólica desempenham papel na ocorrência de amenorréia.
A função do hipotálamo, que libera hormônio liberador de gonadotrofina, está alterada na cirrose, desnutrição, encefalopatia hepática. Estas alterações, associadas ao desbalanço entre andrógenos e estrogêneo, levam às alterações no ciclo menstrual e fertilidade. Estas situações são agravadas na presença de ingesta alcoólica, que interfere negativamente na função gonadal e nos níveis de estradiol.

Fertilidade e função sexual após o Transplante
70 a 95% das mulheres apresentam normalização das menstruações em até 1 ano após o transplante. Isso significa que a fertilidade é restaurada assim como as alterações hipotalâmicas.
Após o transplante, a atividade sexual também deveria ser restabelecida, porém, fatores psicológicos relacionados a autoimagem e depressão podem interferir negativamente.

Momento da Gravidez
A maioria dos especialistas recomendam aguardar pelo menos 1 ano, alguns até 2 anos após o TF para planejamento da gravidez. As razões para isso envolvem : melhor avaliação da função do fígado
Completa cicatrização
Menores níveis de imunossupressores
Menores riscos de infecções oportunistas
Redução das chances de rejeição
Avaliação do Registro Americano de Gravidez após TF mostra que intervalo > 2 anos entre o transplante e a fecundação reduzem as chances de RN de baixo peso, rejeição e perda do transplante.
Outro estudo envolvendo 71 gestações mostrou aumento da prematuridade , baixo peso e rejeiçao nas gestações até 1 ano após o TF.

Métodos Contraceptivos
Não há consenso sobre o melhor método.
DIUs não são indicados como primeira opção pela Associação Americana de Transplantes (AST) pelo risco de infecção mas novos estudos são necessários
Estudos com contraceptivos orais são controversos , com alguns mostrando tromboses e alterações de enzimas e outros mostrando ausência de complicaç
No Reino Unido recomenda-se uso de progesterona
Fertilização
Antes do transplante, recomendam-se técnicas de preservação de fertilidade, criopreservação de oócitos.
Adoção e barriga de aluguel também são opções que devem ser consideradas

Aconselhamento pré-gestação
Deve ser feito para todas as mulheres transplantadas em idade fértil
Todas as mulheres que utilizam micofenolato mofetil ou sódico (MMF ou MMS) devem fazer uso de contraceptivos que devem ser iniciados pelo menos 4 semanas antes do micofenolato, durante o tratamento e por 12 semanas após sua interrupção.

Risco da Imunossupressão durante a gestação
Os efeitos devem ser discutidos com o paciente
Doses estáveis de imunossupressores antes e durante a gestação são importantes para evitar problemas na mãe e no feto
Apenas micofenolato deve ser interrompido

Corticóides
10% da dose materna chega ao feto
Corticóides sistêmicos podem causar complicações uterinas mas uso oral parece ser seguro

Azatioprina
Cruza a placenta mas o fígado do feto não a metaboliza
Segura para uso na gestação
Manter leuc maternos > 7500/mm3 reduz o risco no feto
Podem ocorrer linfopenia, hipogamaglobulinemia e hipoplasia do timo no feto, que são revertidas sem consequências a longo prazo.

Ciclosporina
Cruza a placenta e o nível no feto chega a 60% do nível materno
Podem ocorrer complicações intrauterinas , não existem riscos de má-formações
Seu nível pode aumentar durante a gestação

Tacrolimo
Menores incidências de Hipertensão e pré-eclâmpsia em relação à ciclosporina
Pode levar a intolerância a glicose
Pode ocorrer má formação em 6% dos fetos

Micofenolato
Contraindicado durante a gestação
49% podem ter aborto espontâneo
Pode ocorrer teratogênese

Rapamicina e Inibidores da THOR
Contraindicada durante gestação após transplante .
Recomenda-se sua discontinuação antes da concepção

Hipertensão na Gestação após TF
Corticóides – 22 a 29%
Ciclosporina – 63 a 73%
Tacrolimo – 47 a 54%

Risco de Rejeição
Varia de 0 a 20% contra 3 a 12%
Quando ocorre, responde a corticóides ou aumento das medicações

Insuficiência Renal
Ocorre em 11% das gestantes com TF
Alguns estudos não detectaram alterações

Diabetes Gestacional
Varia de 0 a 11%

Hemorragia
Ocorre durante a gestação em incidência semelhante a mulheres não transplantadas. Entretanto, hemorragia pós-parto é mais frequente em transplantadas (8% x 3%), que também necessitam mais transfusões após o parto devido a aderências, cesária com incisão maior , plaquetopenias e distúbios de coagulação.
Aneurismas de artéria esplênica devem ser tratados antes da gestação pelo risco de ruptura.

Infecções
Ocorrem em cerca de 11% , índice semelhante às gestantes não transplantadas.
Infecções de urina são as mais frequentes e incidem mais em transplantadas (5,3% x 1,4%)

Outras complicações
Anemia é uma das mais frequentes, consequente a própria gestação, efeitos dos imunossupressores, insuficiência renal e deficiência de ferro, ocorrendo em até 23% das gestantes transplantadas de fígado.

Evolução do Feto

65 a 84% dos fetos chegam à termo
Ocorrem abortos espontâneos em 11 a 19% contra cerca de 17% na população geral
A ocorrência de colestase no RN é 6 x maior que na população geral , sem outros efeitos adversos
14 a 53% nascem prematuros , acima da população geral, em torno de 14%, e pode estar relacionado a maior incidência de pré-eclampsia
É comum o nascimento com baixo peso, em média 2866 gramas
O maior risco de infecção congênita é citomegalovírus (CMV) em mulheres que apresentam infecções recorrentes e podem levar a complicações no feto como retardo mental, perda da visão, colestase, prematuridade, placentite e mesmo óbito, sendo muito importante monitoramento do CMV durante a gestação
Má-formações fetais podem ocorrer em até 4% comparados a 3 a 5% na população geral, sem um tipo de padrão definido
O desenvolvimento das crianças filhas de mulheres transplantadas de fígado é semelhante à população não transplantada
Não há contraindicações ao parto normal mas a maior parte é cesárea e o tempo de hospitalização das mães é 4 dias maior
Complicações obstétricas ocorrem em frequências semelhantes à população geral

Transplante durante gestação
Pode ocorrer por condições agudas como esteatose aguda da gestação, síndrome HELLP (hemólise, elevação de enzimas e plaquetopenia), hepatie autoimune ou hepatite viral aguda. Recomenda-se indução do parto antes do transplante

Amamentação
Não há contraindicação absoluta
Pequenas quantidades de corticóides estão presentes no leite materno e doses de prednisona até 20 mg não causam efeitos no RN
Azatioprina : passam em pequenas quantidades no leite mas não contraindicam amamentação
Ciclosporina : também passa em quantidades variáveis no leite e a restrição à amamentação é controversa, com alguns grupos permitindo e outros contraindicando
Tacrolimo : as quantidades no leite são baixas e compatíveis com amamentação
Não há dados disponíveis para micofenolato e inibidores MTOR

Conclusão
As gestações após TF continuam sendo consideradas de alto risco.
Deve sempre haver acompanhamento multidisciplinar.
Prematuridade é comum e a evolução das crianças é normal.