Apesar do avanço no tratamento das doenças crônicas do fígado, a cirrose hepática (CH) continua sendo importante causa de morte , sendo responsável por cerca de 20 mil óbitos anuais no Brasil e 33 mil óbitos anuais nos Estados Unidos.
Nem todos os portadores de CH podem ser submetidos a TF, por diversos motivos mas , sem dúvida, esta é a sua maior indicação.
Desta forma, cerca de 2200 pacientes são submetidos anualmente a TF no Brasil, cerca de 10% por doenças metabólicas e insuficiência hepática aguda e 90% por complicações da CH.
As principais complicações da CH que levam ao TF são :
1) ascite (barriga d’água)
2) encefalopatia (confusão mental)
3) hepatocarcinoma (Câncer de Fígado)
Quando surgem ascite ou encefalopatia, de forma espontânea, é um sinal que as funções hepáticas estão deterioradas, abaixo de 30 a 40% da função hepática normal e, apesar de tratamentos clínicos específicos, com dieta e medicações, amenizarem o quadro, a possibilidade do transplante deve ser discutida de forma concreta com paciente e familiares, exceto se houverem outras condições clínicas que impeçam um procedimento deste porte como por exemplo desnutrição grave, infecções ativas, problemas cardíacos e outros.
Quando surge um ou mais nódulos no fígado cirrótico, a possibilidade de hepatocarcinoma (HCC) deve ser descartada e isso se faz através de exames como tomografia , ressonância ou biópsia do nódulo.
Uma vez confirmado HCC , de acordo com a função do fígado, existem alternativas terapêuticas que apresentam bons resultados, principalmente nos estadiamentos mais iniciais, como até 1 nódulo de 5 cm ou até 3 nódulos de 3 cm, sem invasão de vasos e sem sinais de doença fora do fígado (Critérios de Milão).
Em pacientes com função hepatica preservada, sem ascite ou encefalopatia e com coagulação e bilirrubinas normais, pode-se propor desde técnicas menos invasivas como radioablação, quimioembolização, alcoolização, até procedimentos cirúrgicos maiores , indicados para lesões acima de 3 cm , como ressecções por laparoscopia ou por cirurgias abertas. Tratamentos combinados utilizando várias terapias simultaneamente ou sequencialmente, também são realizados.
Em pacientes com função hepática deteriorada, com ascite ou encefalopatia ou alterações de bilirrubinas , coagulação ou albumina, indica-se o transplante de fígado.
Os TF por HCC representam 30 a 40% de todos os transplantes realizados no Brasil nos últimos anos.
A fila de TF no Brasil não é única.
Devido às dimensões continentais de nosso país, ela divide-se em filas estaduais (cada estado que realiza transplantes tem sua fila) e regionais , quando um estado não realiza transplantes mas tem doadores, os órgãos doados são destinados a macrorregiões envolvendo vários estados, estabelecidas pelo SNT (Sistema Nacional de Transplantes).
Em cada estado, a situação de fila de espera é diferente, com alguns estados só tendo órgãos disponíveis para pacientes mais graves e outros para pacientes menos graves, conforme o tamanho da lista de espera e o número de doadores disponíveis.
Cada paciente pode decidir em que local (cidade , estado) ou com qual equipe médica quer fazer o seu transplante e quando decide se mudar de uma equipe para outra ou de uma cidade para outra, não há prejuízo na data de inscrição e nem nos critérios de gravidade, que são preservados na transferência.
Assim, para pacientes que podem se deslocar pra várias cidades, a pesquisa da gravidade necessária para transplantação pode ser decisiva no tempo de espera em lista até conseguir a cirurgia.
A posição de cada pacientes na fila de espera para TF é definida pela sua gravidade clínica.
Para definição da gravidade clínica, são utilizados critérios laboratoriais , definidos por exames de sangue – Sódio, Creatinina, INR e Bilirrubinas, todos da mesma amostra sanguínea, que definem um número chamado MELD-Sódio, calculado por uma formula matemática, e que devem ser colhidos periodicamente e enviados para a equipe de transplantes. Pacientes com MELD-Sódio > 24 devem enviar seus exames semanalmente, colhidos em até 48 h antes do envio, entre 19 e 24 mensalmente, colhidos em até 1 semana, entre 11 e 18 trimestral com exames colhidos em até 2 semanas. Quando o MELD-Sódio está abaixo de 11, deve haver alguma justificativa clínica para manter o paciente em lista de espera, e os exames devem ser enviados trimestralmente também, colhidos em até 30 dias antes do envio.
Algumas situações graves, que necessitam de transplantes, podem não aumentar a nota de gravidade (MELD-Sódio) e por isso, a legislação prevê nestes casos Situações Especiais, que conferem pontuações que beneficiam os pacientes na lista de espera.
As Situações Especiais mais frequentes previstas na legislação brasileira são HCC , ascite que não melhora com tratamento e necessita punções periodicamente , encefalopatia incapacitante, prurido que não melhora com tratamento , infecções repetidas das vias biliares (colangites) , distensão abdominal excessiva por cistos , tumores benignos volumosos não passíveis de outros tratamentos, entre outras.
Como tudo na vida, realizar um transplante deve ser uma meta pessoal e familiar, que necessita envolvimento e dedicação. Cada paciente e seus familiares devem envolver-se no tratamento e procura informações importantes como a situação da lista de espera, as chances de fazer o transplante e os resultados dos transplantes em cada centro transplantador.
Existe também a possibilidade do transplantes intervivos , quando existe algum familiar ou amigo que decide espontaneamente e altruisticamente doar parte do seu fígado para salvar a vida do paciente que necessita.
Nem todos os que gostariam podem ser doadores. Exames de compatibilidade sanguínea , avaliação das condições clínicas, situação do fígado, volume , anatomia vascular e condições psicológicas do doador são fundamentais e decidem se a doação é possível além da vontade do doador.
Quando o doador é parente até terceiro grau, a doação pode ocorrer sem autorização judicial. Quando um doador não tiver parentesco ou o parentesco for além do terceiro grau, é necessária autorização judicial.
Em relação ao financiamento dos transplantes, os mesmos podem ser realizados em carácter privado, custeado pelo próprio paciente ou seu plano ou seguro saúde, ou pelo SUS. A fila de transplantes é a mesma independentemente da fonte pagadora. Infelizmente, a última atualização na TABELA SUS para os transplantes foi feita em maio de 2012 e, portanto, em maio de 2021 completará 9 anos sem qualquer reajuste, o que faz que medidas de contenção de custos comecem a serem tomadas para a viabilização dos transplantes , o que pode traduzir-se em economia de recursos de alto custo, às vezes importantes em determinadas situações. Como todos sabem, muitos produtos e equipamentos utilizados nos transplantes sofreram reajustes neste período e , uma vez que 70% dos transplantes de fígado no Brasil são feitos em hospitais privados, há um risco de redução dos transplantes nos próximos meses se nada mudar. Em relação aos planos de saúde, vários autorizam a realização de transplantes , em outras situações os pacientes conseguem autorizações através da justiça e, quando nenhuma destas situações ocorre, o transplante e pode ser realizado pelo SUS que posteriormente enviará a cobrança para o plano de saúde em questão, num processo que ressarce o SUS mas mantém o centro transplantador na mesma situação difícil frente a ausência de reajustes.