O estômago é uma víscera oca, situada no caminho do alimento, conhecido como trato digestivo, entre o esôfago e o duodeno, e é tipo uma bolsa, em forma de J, com capacidade de 1,5 a 2 litros, dividida em 4 partes (cárdia, fundo, corpo e antro), com paredes constituídas por 4 camadas, da interna para a externa: mucosa, submucosa, muscular e serosa.
Na mucosa gástrica existem células de superfície, células parietais ou oxínticas (produtoras de ácido clorídrico), células produtoras de muco, células principais ou zimogênicas (produtoras de pepsinas) e células neuroendócrinas que produzem gastrina, somatostatina, PNA (peptídeo natriurético atrial), histaminas, peptídeos vasoativos intestinais e acetilcolina.
No fundo e corpo do estômago, que compreendem cerca de 80% do órgão, estão as células produtoras de ácido (parietais ou oxínticas) e pepsina (principais ou zimogênicas). No antro, em torno de 20% do estômago, estão as células G, produtoras de gastrina.
Sua principal secreção é o ácido clorídrico, que a partir dos 2 anos de idade já atinge o nível de secreção do adulto por peso corpóreo. O ácido facilita a digestão de proteínas convertendo o pepsinogênio em pepsina, enzima ativa que desempenha essa função. O ácido também facilita a absorção de ferro, calico, vitamina B12 e certas medicações como tiroxina , assim como previne o crescimento bacteriano, infecções entéricas e consequentemente pneumonias causadas por elas.
A camada mucosa do estômago, que compreende seu revestimento interno, é a mais complexa e a que entra em contato com todas as substâncias ingeridas sendo, consequentemente, a principal origem das doenças do estômago, das mais simples às mais complexas.
Nas mucosas acontecem as gastrites, úlceras, e a maior parte dos tumores benignos e malignos do estômago. Raramente existem doenças do estômago que não afetam a mucosa, como por exemplo os tumores de células musculares, conhecidos como leiomiomas, leiomiossarcomas ou GISTs, que realmente são raros. Gastrite é o termo designado para designar uma inflamação desta camada superficial interna que reveste o estômago (mucosa gástrica), que é formada por um tecido composto de células com alta capacidade de regeneração.
As células da mucosa são glandulares e secretoras de substâncias que auxiliam na digestão e ao mesmo tempo protegem a parede do estômago. São agrupada em vilosidades , com as mais superficiais capazes de produzir muco e bicarbonato, que evitam a retrodifusão da secreção cloridopétptica (ácido clorídrico e pepsina) produzida nas glândulas nas camadas profundas das vilosidades.
A secreção cloridopéptica que é secretada para dentro da câmara gástrica para iniciar a digestão dos alimentos junto com a amilase salivar, e a secreção de muco e bicarbonato das células superficiais, evitam a corrosão da própria parede do estômago e a formação de gastrites e úlceras.
Geralmente não existe uma causa única de gastrite mas sim vários fatores que atuam conjuntamente : alimentos , medicamentos, infecções bacterianas, imunológicos, emocionais .
A Gastrite pode ser aguda ou crônica, conforme seu tempo, causa e principalmente achado histológico na biópsia.
Gastrites também são classificadas conforme seu achado endoscópico em : não erosiva , erosiva e tipos histológicos específicos ligados a certas doenças.
Seus sintomas incluem dor ou desconforto abominal que podem ser acompanhados por náuseas e vômitos.
Gastrites Agudas
Os principais aspectos da gastrite aguda são o desenvolvimento de erosões ou sangramentos provocados pela exposição da mucosa gástrica a várias substâncias tóxicas que causam lesão direta, ou consequentes a privação de circulação sanguínea levando processos isquêmicos.
As gastrites agudas ocorrem por um desequilíbrio entre os fatores agressores e protetores. A lesão tem início com a disruptura da camada de muco, bicarbonato e epitélio, permitindo ao conteúdo gástrico com ácido clorídrico, pepsina , protease , ácidos biliares penetrarem até a lâmina própria onde digerem a parte muscular da mucosa e atingem a submucosa, onde estão os vasos que causam sangramento e os nervos que serão estimulados e induzirão a liberação de histaminas e outros mediadores inflamatórios que agravarão e ampliarão o processo.
As substâncias que mais frequentemente causam gastrites agudas são : anti-inflamatórios não esteróides (AINE) , álcool e ácidos biliares, que refluem do duodeno ou que passam pelo estômago operado.
AINE produzem lesão localizada que leva a retrodifusão de íons hidrogênio (H+), além de ter efeito sistêmico de bloqueio da ação das prostaglandinas , reduzindo a liberação de bicarbonato, formação de muco e também o fluxo sanguíneo na mucosa.
Álcool causa ruptura do endotélio de revestimento e da microcirculação da mucosa, além de aumentar a permeabilidade vascular e liberação de células inflamatórias com formação de radicais livres que lesam diretamente a mucosa.
Sais biliares e lecitina, componentes da bile que em certas situações pode refluir para o estômago, também causa disruptura da barreira mucosa (muco + bicarbonato + epitélio), levando a retrodifusão de H+ e consequente lesão da mucosa.
Em relação a falta de suprimento sanguíneo da mucosa, pode ocorrer em várias situações : hipotensão, hipovolemia, trauma, queimaduras , hipotermia , sepse.
Tratamentos oncológicos como radio e quimioterapias também podem causar lesões diretas por ação direta ou por prejuízo da circulação sanguínea.
A falta de suprimento sanguíneo na mucosa reduz a produção de muco e bicarbonato e leva ao acúmulo de substâncias inflamatórias como aminas vasoativas e leucotrienos, com ruptura da barreira mucosa e novamente retrodifusão de H+ e consequente lesão.Frequentemente os achados endoscópicos não mostram a presença de inflamação, exceto se houver componente erosivo.O diagnóstico é baseado em achados histológicos de biópsias gástricas, que mostram infiltrado de células inflamatórias (neutrófilos) , com edema (inchaço) e hiperemia (vermelhidão) .
Gastrites Crônicas (GC)
Apresentam sintomas semelhantes aos das gastrites agudas, porém com tempo de duração maior que 6 meses e achados histológicos diferentes nas biópsias , que mostram infiltrado inflamatório composto por linfócitos e/ou plasmócitos , com pouco componente neutrofílico, característico da gastrite aguda.
A importância das GC é seu risco de progressão para úlceras , pólipos e neoplasias benignas ou malignas.As GC podem progredir para destruição glandular , com atrofia da mucosa e metaplasia intestinal (MI), que pode ser completa, incompleta ou mista.
Gastrites atróficas (GA) representam fases avançadas das gastrites crônicas.Endoscopicamente , as GA mostram mucosas finas com vasos da submucosa aparentes.
A presença de MI incompleta ou mista representam risco de câncer gástrico 20 vezes maior , principalmente as MI mistas. Todos os pacientes com GA e MI , devem realizar controles endoscópicos a cada 2 ou 3 anos, em centros de endoscopia experientes, para rastreamento de areas com displasia ou já com câncer gástrico na forma precoce, cuja taxa de cura ultrapassa 90%.
Gastrites Crônicas podem ser classificadas de várias formas, conforme seus locais :
Tipo A – fundo e corpo , com preservação do antro, geralmente autoimunes , com hipocloridria e hipergastrinemia ;
Tipo B – forma mais comum , gerlamente antral e relacionada ao H pilori , que pode evoluir para pangastrite ;
Tipo AB – mista
Ou conforme suas causas :
Helicobacter Pylori – presente em 30 a 50% da população, é considerado um fator de risco para desenvolvimento de câncer gástrico , aumentando entre 6 e 9 vezes o risco em relação à população sem H pilori. Seu diagnóstico pode ser feito por testes respiratórios (uréia 13 carbono) , sorológicos ou fecais.
Entretanto, no Brasil o diagnóstico é feito durante a realização de endoscopias, através de biópsias.
Gastrite Atrófica (autoimmune, multifocal) – anemia perniciosa é um destes tipos, com hipocloridria , deficiência da produção de fator intrínseco e deficit de Vit B com consequente anemia . Histologia mostra atrofia de glândulas fúndicas com metaplasia intestinal . Anticorpos anti-fator intrínseco são detectados em 70% dos casos. Acloridria leva a hipergastrinemia (> 1000 pg/ml) devido à perda da inibição das células G pelo ácido. Hipergastrinemia pode levar ao desenvolvilmento de tumores carcinóides em 5% dos pacientes e a incidência de adenocarcinoma gástrico varia entre 1 e 3%. Pacientes com displasia ou pequenos tumores carcinóides necessitam endoscopias periódicas de rastreamento.
Infecciosas (Bacterianas e Virais) – Citomegalovirus , mucomicose , histoplasmose, cândida, sífilis, tuberculose e alguns parasitas podem causar gastrites.
Formas Especiais de Gastrites
Linfocítica (H pilori e doença celíaca)
Granulomatosa (Doença de Chron , sarcoidose, histoplasmose, candidíase, sífilis, tuberculose)
Eosinofílica (esclerodermia , infecção parasitária)
Doença do Enxerto x Hospedeiro Gastrite Alérgica Doença de Menetrier (hiperplasia foveolar e atrofia glandular)
Tratamento das Gastrites
O tratamento da gastrite depende fundamentalmente da sua origem , da sua gravidade e da sua associação com H Pilori. Pacientes sintomáticos , com H Pilori positivo, devem erradicar a bacteria mesmo na ausência de lesões endoscópicas.
O tratamento das gastrites devem sempre priorizar o equilíbrio entre os fatores agressores e as defesas naturais da mucosa gástrica.
A redução dos fatores agressores envolvem equilíbrio na dieta com redução da ingesta de cafeína , álcool , gorduras, produtos em conserva ou com corantes, sal em excesso, pimenta , frutas ácidas. Jejum prolongado e gomas de mascar também fazem mal por maior exposição e estímulo à produção de secreção clorído-péptica, com menor proteção.
Além do controle da dieta, inibidores de produção e secreção de ácido pelas células parietais , melhor alcançado pelos inibidores de bombas de protons (IBP), são fundamentais.
Quando a resolução da gastrite parece difícil com estas medidas, pode-se aumentar a proteção da mucosa gástrica com antiácidos , bismuto e misoprostol, este ultimo apresenta risco de aborto em gestantes por ser estimulador da produção de prostaglandinas que são proteínas que estimulam a contração uterina.
Alguns pacientes necessitam medidas adicionais como terapia , meditação , tratamento de ansiedade e depressão, que são também fatores de estresse emocional que podem perpetuar o quadro.